30.10.11

Soy Vicente

Loucura, obsessão, sexo (jura?), mentiras, vingança, bioética, identidade. Esses e outros temas chocam e são abordados de uma forma absolutamente interessante no mais novo filme de Almodóvar A pele que habito (La piel que habito, Espanha, 2011). O tema inicialmente é o desenvolvimento de um novo tipo de pele, mais dura e resistente a queimaduras e picadas de inseto por um cientista, motivado pela morte de sua mulher, queimada num acidente de carro. Depois novos temas são inseridos e o filme sai dessa questão clichê da ficção científica e passeia por temas mais humanos e muito mais maníacos também. Há uma espécie de drama exagerado ao se explorar questões do tipo mamãe, não sou seu filho, mas isso serve de conexão e se justifica na trama. 
O Brasil é tratado (mesmo que a palavra Brasil propriamente não seja mencionada, nem nenhuma das nossas cidades) como o esperado paraíso da cirurgia estética. Uma favela é mostrada, diálogos com porcas palavras em português, uma canção na nossa língua são ouvidos, e o nome da paciente principal desse médico é Vera Cruz, simbolismo aqui é mato e, aliás,  é extremamente bem explorado pelo diretor, seja através das pinturas de mulheres sempre nuas, seja através dos desenhos na parede e das esculturas da paciente principal, os desenhos tratando da identidade pessoal, e as esculturas, da pele como mero invólucro do homem. Um jovem é mostrado como um animal, sequestrado, acorrentado, obrigado a se adaptar, privado do seu próprio eu, e mais uma vez o símbolo do invólucro está presente nesse personagem e também no título, vale lembrar. E o maior êxito do diretor foi conseguir fazer com que o espectador sentisse que a coisa mais dolorosa que esse rapaz poderia dizer era o seu próprio nome. A pele que habitamos diz demais sobre nós, mais do que podemos querer.
  

26.10.11

Descrição da masturbação por José Saramago

“O corpo de Jesus deu um sinal, inchou no que tinha entre as pernas, como acontece a todos os homens e a todos os animais, o sangue correu veloz a um mesmo sítio, a ponto de se lhe secarem subitamente as feridas, Senhor, que forte é este corpo, mas Jesus não foi dali à procura da mulher, e as suas mãos repeliram as mãos da tentação violenta da carne, Não és ninguém se não te quiseres a ti mesmo, não chegas a Deus se não chegares primeiro ao teu corpo.” 
O Evangelho segundo Jesus Cristo

16.10.11

Sim, a embalagem é importante pra nós

A materialidade. Vivemos num mundo físico, logo isso é indispensável pra nós. Mesmo com discursos clichês de que o que importa são as ideias, a inteligência, e com teorias metafísicas que não cansam de criar a dualidade corpo-espírito, ela vai nos perseguir até que deixemos de ser materiais. Não que eu queira desvalorizar as ideias, nem a inteligência, longe disso, mas essas coisas, assim como todo o resto, precisam de um suporte. Todos nós precisamos nos apresentar o tempo todo, seja pela fonte do nosso texto, seja pelo corte de cabelo, pelo timbre da voz, estilo de vestir, design do nosso site. Poderíamos falar em identidade visual, mas a coisa vai mais além, porque ela também é tátil, sonora, olfativa e multissensorial. Sim, comandante, a embalagem é importante pra nós. Mais que isso, ela é fundamental pra nós. Presos estamos àquilo a que chamamos percepção. O mundo é percebido e precisa se apresentar. É possível ir mais fundo e dizer que a nossa percepção das coisas como elas se apresentam dependem das nossas capacidades cognitivas, conhecimento de mundo acumulado ao longo da vida, valores morais da sociedade onde estamos inseridos. E também a apresentação depende de tudo isso (o que é que não depende disso, hem?). E nesse jogo todo temos um papel duplo. Ao mesmo tempo somos o voyeur e o cineasta, a audiência e o Faustão, o paciente e o médico, o passivo, o ativo, o versátil e o assexuado. Por isso aconselho a usarem sempre desodorante e creme dental, mas não se preocupem, até os figurões põem o dedo no nariz. Um abraço
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