Loucura, obsessão, sexo (jura?), mentiras, vingança, bioética, identidade. Esses e outros temas chocam e são abordados de uma forma absolutamente interessante no mais novo filme de Almodóvar A pele que habito (La piel que habito, Espanha, 2011). O tema inicialmente é o desenvolvimento de um novo tipo de pele, mais dura e resistente a queimaduras e picadas de inseto por um cientista, motivado pela morte de sua mulher, queimada num acidente de carro. Depois novos temas são inseridos e o filme sai dessa questão clichê da ficção científica e passeia por temas mais humanos e muito mais maníacos também. Há uma espécie de drama exagerado ao se explorar questões do tipo mamãe, não sou seu filho, mas isso serve de conexão e se justifica na trama.
O Brasil é tratado (mesmo que a palavra Brasil propriamente não seja mencionada, nem nenhuma das nossas cidades) como o esperado paraíso da cirurgia estética. Uma favela é mostrada, diálogos com porcas palavras em português, uma canção na nossa língua são ouvidos, e o nome da paciente principal desse médico é Vera Cruz, simbolismo aqui é mato e, aliás, é extremamente bem explorado pelo diretor, seja através das pinturas de mulheres sempre nuas, seja através dos desenhos na parede e das esculturas da paciente principal, os desenhos tratando da identidade pessoal, e as esculturas, da pele como mero invólucro do homem. Um jovem é mostrado como um animal, sequestrado, acorrentado, obrigado a se adaptar, privado do seu próprio eu, e mais uma vez o símbolo do invólucro está presente nesse personagem e também no título, vale lembrar. E o maior êxito do diretor foi conseguir fazer com que o espectador sentisse que a coisa mais dolorosa que esse rapaz poderia dizer era o seu próprio nome. A pele que habitamos diz demais sobre nós, mais do que podemos querer.