21.10.14

O menino sem individualidade

Já ouvi falar de meninos sem dinheiro, sem família, de meninos sem criatividade, sem imaginação, e até de meninos sem meninice. No entanto esse era um menino sem outra coisa. Uma coisa que parece bobagem para você que a tem, mas que para ele era algo cuja falta definiu sua inteira vida. Não se lhe notava, a princípio nem a fins de conversa, que ele tinha tal condição. E na maioria das vezes nem ele mesmo, o menino, notava que não tinha uma coisa... Uma coisa chamada individualidade. 
Esse menino, que virou rapaz, que virou homem, cresceu buscando-se a si mesmo. Mas ele não se voltava ao interior, como tantos diziam e parecia ser tão fácil. Ele buscava-se nos outros. Estrebuchava cada pessoa que conhecia à procura de alguma coisa que pudesse lembrar-lhe, que pudesse lhe dar uma pista de quem quer que fosse ele mesmo. Ia fundo na superficialidade de tentar compreender sua essência em qualquer transeunte. Tinha vontade de amar todas as pessoas que passavam diante de seus olhos e sentia-se mal quando era posta a necessidade de deixar alguém para estar com outra pessoa qualquer. Como era possível querer assim a todos? Não era possível ter assim a todos. Essa era apenas a busca desenfreada por si mesmo em qualquer um. Até nos bichos ele se buscava. A (aparente) felicidade de um cão que recebia um afago seu podia ser um dia preenchido, mas só um dia.
Cada conversava que travava, cada olhar que cruzava, cada fluido compartilhado era uma esperança e uma pergunta. Eu estou aí? E por essa razão, preeenchia-se de pessoas e cercava-se de tentativas sempre em busca. Dedicou longos minutos dentro de longos dias em anos mais longos a isso. Por vezes, julgava encontrar-se e quando tal coisa acontecia sentia-se tão preenchido que não precisava de mais nada e se isolava. Isolava-se pela pura razão de não precisar mais estar por aí, porque já se tinha. Mas como presumido, isso não podia durar pela puríssima razão de que ninguém pode estar em outra pessoa. Sua individualidade jamais poderia ser encontrada.
Por muito tempo esse menino andou. Já foi homem, já foi idoso. Hoje ele já não vive. Sua história me contaram algumas das muitas pessoas que passaram por sua vida vazia de si mesmo. A individualidade jamais saberemos se encontrou. Mas pergunto-me se isso fazia alguma diferença, se afinal somos todos como o menino, cujo único pecado foi ter consciência de ser como era. Soube que deixou com cada pessoa uma letra numa ordem. Com essas letras nessa ordem escreveu-se em sua lápide seu epitáfio:
Quem tem olhos verá como pareço, quem tem boca levará meu sabor, quem tem mãos sentirá minha pele e quem ouve ouvirá minha voz. Mas só quem não tem barreiras ao redor de si saberá quem eu sou.
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