8.1.11

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Seu Toba me falou de um livro chamado Fahrenheit 451. Pois sim, eu vi o filme há uns dias e posso dizer que é bom com algumas ressalvas. É claro que ele tem uma mensagem realmente muito interessante e nos alerta sobre o nosso papel ativo/passivo em relação à sociedade e a nós mesmos, mas esse é um dos pontos. O filme que eu vi fala sobre um futuro onde os livros são proibidos e a sociedade é extremamente hipnotizada pela tevê. Então, ele me deu uma impressão um pouco leve, mas ainda forte, daquelas histórias com lição de moral, como um pai falando pro filho.
-- Olha, garoto, televisão é do capeta.
É evidente que eu não vou questionar a importância da leitura, ela foi muito importante pra mim, afinal. E também não vou defender a tevê, muito menos essa coisa alienadora e que vocês chamam de Globo e afins. Mas me digam se a leitura também não é uma atividade passiva, e se a questão é absorver conhecimento e cultura a boa televisão não pode desempenhar um papel semelhante? É um ponto delicado, como eu já disse, a inutilidade está nas pessoas e não nas coisas. Eu acho que o meu exemplo ilustra bem isso. Eu cresci numa casa muito comum de classe média. Na minha família ninguém tinha o mínimo interesse por leitura eu passava quase oito horas por dia vendo tevê. Até que eu descobri os livros, no início timidamente, mas depois eu passava a ler cada vez mais e devo agradecer por minha escola ter uma biblioteca rica. Então, em vez de passar as noites vendo novela, eu lia. E esses best-sellers que a maioria dos sábios condena foram a minha porta de entrada para outros livros, literatura de verdade, hoje eu tenho que convir. Por isso eu não gosto de condenar esses livros, nem a televisão. Agora é realmente ruim que não se descubra algo de mais qualidade nem uma tevê melhor. Pensem bem, a televisão integra o mundo com uma força enorme e é o meio de comunicação mais influente do planeta. Mas o problema é quando ela te hipnotiza demais, e por isso é bom abrir a discussão, mas não é legal ficar nessa coisa rasa de falar livro é bom, tevê é ruim. Tá parecendo Nietzsche, que não encontrou a real essência da fraqueza humana e resolveu condenar o cristianismo, olha lá, galerinha, não é assim que se chega lá.
Agora outras coisas menores que notei no filme. Primeiro duas coisas que se referem à tradução e isso é muito delicado, oh, Deus. O título. Bem, ele é a temperatura de combustão do papel dos livros, mas a escala fahrenheit não é usada no Brasil e por razões estéticas a original foi mantida, o que é uma pena porque o efeito que se quer não é atingido, e isso é realmente um impasse pra quem traduz, mas mesmo assim isso ainda me parece furado. Não existe uma padronização pra livros, eles são feitos com diversos papéis que naturalmente têm temperaturas de combustão diferentes, sem contar as capas.
O segundo ponto sobre a tradução se refere aos bombeiros, que nessa história, em vez de apagar o fogo, queimam os livros proibidos. A fala de uma personagem chamou minha atenção.
-- É verdade que, há muito tempo, os bombeiros apagavam incêndios ao invés de queimar livros?
Na língua portuguesa a palavra bombeiro está relacionada diretamente com a água, e é, inclusive, o mesmo nome daquele cara que vai à sua casa quando um cano estoura. Diferentemente do inglês, em que fireman não remete a nada além do fogo. Então o nome em português dos bombeiros nesse futuro catastrófico teria que ser outro, a não ser que essa coisa da dominação seja tão forte que questionamentos como esse aí da moça não tenham nenhum fundamento linguístico, o que é mais provável. Mesmo assim, a palavra merece uma nota no caso do livro.
Agora sobre o filme, eu tenho que dizer que eles fracassaram na tentativa de criar um futuro onde um monotrilho suspenso convive com um telefone analógico. É realmente o lado negativo de tentar prever uma coisa impossível. Numa época onde os computadores eram impopulares e nem sei se a internet já existia, não dava pra prever que se poderia ler livros no PC, muito menos num aparelho como o iPad, que é uma revolução no modo de ler. Agora só nos resta esperar pelos carros voadores enquanto assistimos a mais filmes do tipo Mãe Diná.
E o filme também poderia ter explorado melhor a questão da dependência que a televisão causava nas pessoas, poderia ter expandido mais o nosso campo de visão. Senti falta de panoramas gerais da sociedade, exemplos de outras famílias e instituições, coisas que mostrassem e enfatizassem de que forma era feita essa domesticação da civilização e de que forma a civilização reagia a isso. Ah, e quero lembrar também que só vi o filme, então não estou falando nada do livro, que aliás deve ser bem melhor. Dá pra notar que é uma adaptação difícil de fazer, e é essa incompreensão que é responsável por muitos fracassos.
Mas também tenho visto alguns filmes bons nessas férias. Ontem vi um chamado Maurice que gostei bastante, e uma versão pouco conhecida de O Morro dos Ventos Uivantes que é bem interessante. Agora estou viajando, vou me afastar literalmente da civilização e aproveitar pra estudar, ler um pouco, e passear pelo campo. Vejo vocês logo.

7 comentários:

  1. Tem um livro do Tzvetan Todorov chamado "Literatura em Perigo" (é direcionado para professores de literaura, mas, o último capítulo fala um pouco disso.Do que podem os livros.

    Nem assisti ao filme, por isso só tenho esse comentário raso para fazer...).

    Boas férias!
    o/
    (como foi no vestibular?).

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  2. eu já assisti o filme.. na escola...
    "todos" estavam interessados ¬¬
    adorei ele...
    não posso falar tão mal da tv...
    eu posso não assistir tanto
    mas quando assisto...
    é só desenho... mas não deixo de ler um livrinho né ^^
    enfim... adorei *--*

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  3. cara... eu já tenho teu msn? O_O

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  4. Sobre o capitalismo, seria interessante se as oportunidades fossem iguais. Mas são raras as exceções. Geralmente, pobre morre pobre. Rico morre rico. E etc e tal.
    E, quando eu percebo que a cada 3,5 segundos morre uma criança de fome, não consigo imaginar que esta situação esteja certa do jeito que está.

    Hodierno, sobre a leitura e a televisão, concordo com você. Depende muito do que nós selecionamos. Da mesma forma que há canais ruins, há livros piores ainda. Então é relativo.
    No entanto, a leitura nos constrói bem mais do que a simples observação. Quando lemos, nós quem formamos as imagens e sons. Com isso, exercitamos a nossa imaginação e expandimos a nossa percepção.
    Já na tv, apenas dissolvemos o que nos é atribuído.
    Mas, de qualquer modo, todo conhecimento é bem vindo.

    Abraço!

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  5. Cara, sobre o seu comentário eu tenho uma ressalva principal: o filme não é um documentário e sim uma alegoria, ficção científica. Quando fala dessa "lição de moral" do filme que diz que a TV é uma porcaria e o livro não, isso deve ser interpretado. A TV é, assim como os remédios, um escapismo da realidade; da mesma forma, o livro representa a arte, a liberdade, o ser humano. Em outras palavras, é preciso que haja uma interpretação de texto e esse é um dos diferenciais entre obras que considero de qualidade - mas falo disso daqui a pouco. Creio também que a ideia não era apresentar os presságios pormenorizados de uma sociedade futura, mas sim atentarmo-nos acerca de alguns questionamentos.
    Queimar o livro então é desvalorizar o conhecimento e alçar à importância as frivolidades - não que o livro seja a única forma, mas representa o conhecimento, a sabedoria humana. Assim, existem substituições grotescas: o diálogo é trocado por um simulacro superficial com a TV, a lágrima é evitada, etc. O bom livro, assim, é aquele que fala do ser humano, do seu íntimo, que o quetiona, que é doloroso e que tem muito para se investigar e supor. E mais: não tem prazo de validade como os best-sellers. E a TV só será boa quando escolhermos o que vai passar nela.
    Respeito sua opinião, mas acho que cabe olhar com mais cuidado o filme do Truffaut e conhecer a obra do Bradbury que é, além de tudo, poética.
    Abraço

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  6. Eu não sei por que cismam que a Globo é essa "coisa alienadora". Vocês já viram Datena?

    Acho que a minha pergunta resume bastante do que penso, porque todos os canais abertos têm programação alienadora. Casos de família, Domingo Legal (vocês já viram esse lixo?), Datena... Mas também tem coisa boa.

    Televisão é alienadora. Ponto.

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