24.11.11

Araçuaí e a resistência cultural no Vale do Jequitinhonha

Hoje na aula de História da Cultura, a professora Adriana Romeiro, numa espécie de desabafo exaltado sobre o que realmente é e pra que serve a arte, disse que não se pode comparar uma carranca feita no Vale do Jequitinhonha com a Mona Lisa. Eu, com minha camiseta do grupo de teatro de Araçuaí, Ícaros do Vale, fiquei até encolhido. Longe de querer entrar nessa discussão, sobre o que é arte, o que é artesanato e qual o papel de cada um, eu sou apenas fascinado pelas culturas populares. Sempre lamento a distância que a Academia se encontra da sociedade, e uma disciplina que poderia explorar melhor a cultura do povo, nada mais é do que uma História da Arte sem critérios.
Recentemente estive em Araçuaí, e a camiseta é lembrança disso, no médio Vale do Jequitinhonha. Era a primeira vez que eu visitava a cidade e fiquei fascinado por ela. Não é nem de longe a cidade mais bonita do vale, infelizmente não há preocupação em se preservar o patrimônio histórico, mas é uma cidade interessantíssima, e, sem dúvida, a mais quente e com a maior movimentação cultural do vale todo.
Quando eu morava em Almenara (ano passado, han, nem tem tanto tempo), o que os jovens mais reclamavam era da falta de opção de lazer e cultura. Em Almenara realmente há essa falta, mas eu me questiono se os jovens iriam se contentar com uma expressão cultural local, ou iriam querer um Cinemark.
Araçuaí quebra todos os padrões, é um lugar onde a fomentação cultural é grande, e as pessoas valorizam isso. Não todos, lógico, a cultura de verdade ainda interessa a poucos, é mais fácil ser repetitivo, ouvir a música pop com a primeira parte, refrão e bridge, o filme com a estética padronizada, tudo o que a gente tá acostumado e viciado. Em Araçuaí existe grupo de teatro, de artesãos, cinema, trovadores e muito mais. A cultura lá acontece e á valorizada. Numa região extremamente estereotipada pela imagem do sertanejo pobre, isso é importante, inclusive pra mostrar que o lugar é muito mais do que apenas isso. A arte, seja ela uma carranca ou a Mona Lisa, é importante como expressão, elas não são apenas distração ou abstração, mas de alguma forma, modificam nossa visão das coisas e daquilo que cerca a obra. O Vale do Jequitinhonha não precisa de esmola, precisa de valorização, precisa que seu próprio povo valorize sua cultura. 
Ademais, pra quem quiser conhecer uma realidade fascinante e bucólica e curtir um sertão 35º, não há nada mais recomendável.

12.11.11

Vossa senhoria pode por favor considerar-se detido

Quando eu estudava Filosofia no ensino médio, eu pensava: "porra, Filosofia é tão legal, pena que eu preciso de uma apostila pra entender o que esses caras tão dizendo. A Filosofia fica restrita a quem tem uma carga cultural e literária grandes demais. Os filósofos deviam se preocupar mais em tornar sua mensagem acessível".
Ainda concordo comigo mais novo. Mas o problema dos intelectuais vai mais fundo que isso. Eles se sentem ou estão diferenciados do resto da população, dos ditos incultos. Como se fossem donos do conhecimento da sociedade, a cultura personificada, os semideuses das universidades.
É óbvio que eles não têm essa visão de si, até porque não são assim de verdade, mas são assim que aparecem e que o próprio sistema os coloca.
A ocupação da fefeleche mostra bem isso. Os campi universitários são tidos como lugares da fomentação intelectual, onde o pensamento floresce o tempo todo, e a expressão e o comportamento de quem é de lá não pode ser repreendido. Pelo menos não lá. Fumar maconha é algo extremamente corriqueiro e normal em ambientes assim, e principalmente em faculdades de ciências humanas. Aqui na Fafich da UFMG que equivale à FFLCH da USP, por exemplo, o cheiro de cigarro de palha está impregnado no prédio e faz parte da identidade do lugar, e é muito fácil também sentir o cheiro da cannabis nas proximidades do Diretório Acadêmico. 
A polícia no campus é vista como um vírus, não são alunos, nem professores, nem funcionários, são estranhos que não possuem nenhum vínculo com a comunidade a não ser um papel assinado chamado convênio. A universidade é uma grande comunidade e nós nos sentimos assim.
Mas a polícia, estando lá dentro, não pode tratar o campus como uma área especial onde as leis são diferentes. Se não pode fumar maconha no morro, também não pode na universidade, e se a polícia vê, tem que pegar. Já se sabe que não há prisão para usuários, más há advertência e aquelas bobagens de penas socioeducativas. A segurança normal da universidade não tem autoridade pra repreender dessa forma, ela apenas cuida da segurança de quem está lá dentro e adverte caso alguém esteja desrespeitando alguma coisa do tipo, estacionar em local indevido e tal. Isso é o ideal, e se a polícia se comportasse assim seria ótimo, mas não dá, porque ela não está a serviço do campus e sim da sociedade. Polícia é polícia, não é guarda.
Esses são os dois lados da questão, e os dois estão certos. Não dá pra ficar nessa crítica rasa de que os revoltados da USP são filhinhos de papai que se rebelam porque querem fumar maconha. A maconha simboliza toda a liberdade deles dentro do campus. E se são ricos, não têm culpa disso. A universidade é pública, entra quem se inscreve no vestibular e tem a capacidade de passar. Se apenas a elite consegue isso, é um problema estrutural da educação no país. E com todas as políticas superficiais de inclusão social nas universidades, é cada vez mais difícil pra eles entrar lá. A universidade é para o povo e não apenas pra classe C. Assim como a polícia não é polícia só pra classe C. E enquanto ela estiver no campus, deve continuar agindo como se estivesse na rua.


Nesse link um vídeo da presença catastrófica da polícia no Campus da Pampulha, apenas porque os alunos exibiram um filme sobre a maconha. E aqui, o blog e o twitter de um personagem muito comum em qualquer lugar: o pseudointelectual. (10 reais e um álbum de figurinhas do Rebelde pra quem descobrir quem é esse cara)
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