Bêbado, drogado. Se minhas costas não doessem eu dormiria no chão todo dia. Colchão é só o chão com uma sílaba antes, uma sílaba que amacia a dureza e esquenta... o frio. Bobagem pensar que é algo mais. O colchão é um conforto pra solidão. A solidão de um desejo que não se realiza, de uma ação reprimida pela timidez dum corpo. Dum copo. Que devia fazer o que não faz. Ou eu não faço o que devia fazer. Ou ele também não. Ninguém faz porra nenhuma aqui. Um cão de rua chega quieto. Talvez eu seja que nem um vira-lata, venho me aproximando devagar, peço com os olhos, doido pra alguém passar a mão na minha cabeça e me dar de comer. Mas eu não sei falar. Sei não. Sou meio bestinha também. Mas eu sempre caço uma caminha, nem que seja um tapete encardido escrito "bem-vindo" na porta de uma casa. Porque o chão dói. Se ninguém me acha e me leva, eu fico lá, com esse olho pidão de sempre. Eu só queria um dono. Se alguém me entende, eu lato. Mas não com au-au, essa onomatopeia maldita que inventaram pra representar um latido. No dia em que um cão latir desse jeito ele não será mais um cão. Eu não lato assim. Meu latido é mais fundo, fica dentro, no coração.
Mas na pior das hipóteses eu uivo pra lua.
Conrado Miguel