Olha quem voltou. E dessa vez nem foi com o rabo entre as pernas. Não, senhores. Agora ele volta andando sobre suas quatro patas, com seu pelo sujo como sempre, o rabo imóvel e um leve rosnado nos dentes. Diretamente do beco mais sujo da cidade, movido pela dor, saindo do escuro, com vocês... o cão. Sem pompas, meus caros, ele gosta de atenção, mas acha que a falsidade duma plateia não traria nada de positivo ao seu sentimento. Na língua em que ele se comunica comigo (não me perguntem qual, por favor), ele diz que prefere um chute que um falso afago. Mas o problema é que ultimamente ele tem recebido chutes demais. Porém ele não sabe de qual direção vêm, se vêm do seu dono ou se vêm dele mesmo. Sim, agora ele tem um dono, só não havia contado a novidade para vocês porque ele só aparece nas horas difíceis, é um cão cheio das neuroses, senhores, cuidado. Mas voltando ao mote do que o traz aqui, ele bem acha possível que podem vir das duas direções, os chutes eu digo. Tolinho que é, sempre acaba lambendo quem o bate ao invés de lamber suas próprias feridas. Mas esse cão, tão sofrido, lembra que também já mordeu. Já mordeu sem querer, mas mordeu. É que basta chamá-lo, e ele vai. Mas agora não vai mais, apanhou por dentro. Mas será que merece tanto o Totó, ou será que é o Totó que sente dor demais com um tapinha à toa? Ele não sabe, só sabe que não quer mais apanhar. Qual é o cão que não é carente, qual é o cão que não implora por um afago? Tomar uma surra de consciência pode ser bom, mas um carinho às vezes cai bem.
Conrado Miguel