Na semana passada um amigo do meu ex faleceu. Nós ainda namorávamos quando ele me contou sobre a internação após passar por vários médicos que disseram: "deve ser dengue". Foi bem na época do carnaval quando descobriram que os sintomas dele eram neurológicos. Era uma infecção de origem desconhecida que estava afetando o cérebro. No hospital também descobriram que ele estava com hiv em estágio avançado, aids.
Todos ficamos muito perplexos com a notícia. Pensamos em como foi chegar a este ponto, que deve ter havido negligência dele próprio, que ele talvez estivesse guardando essa desconfiança por muitos anos e que não queria, não conseguia encarar. Talvez estivesse fugindo de médicos, de exames de rotina. É frequente que peçam contagem de plaquetas nestes exames. Certamente alguma coisa teria denunciado, dado algum indício. Meu então namorado me contou que tinha notado uma grande perda de peso dele no último ano. Talvez ele estivesse mesmo sofrendo em silêncio.
Parece que ser gay, vivenciar a homossexualidade, fazer sexo gay, anda lado a lado com o adoecimento. Eu sei que não é assim, mas isso é algo que nos persegue. As histórias difíceis do passado, dos anos 80 e 90, e os riscos que se corre no presente, são coisas que nos atravessam, que produzem efeito em nós. O primeiro teste de ist que fiz após transar sem camisinha foi um nervosismo e uma angústia imensos, e ainda assim me vi me colocando em situações de risco novamente. "Com tesão não se pensa muito, na hora só vai..." mas não é esse o único caminho possível, dá pra fazer de outro modo.
Atualmente existe a prep, este medicamento que, se tomado diariamente, protege da infecção pelo hiv. Ele está sendo usando por muitos homens gays e já reduziu bastante as novas infecções, o que é maravilhoso. Porém, ao se sentirem protegidos com o remédio, muitos rapazes abrem mão da camisinha e é aí que entram as outras ists, principalmente as bacterianas. Este comportamento é de risco. Mas quando você diz isso a um gay que se comporta desta forma, rapidamente ele entra na defensiva, te acusa de homofobia, de fazer estigmatização.
Meu último relacionamento era aberto e em um ano de namoro ele me passou três ists. A primeira foi gonorreia, como ainda estávamos nos conhecendo, meio que passou batido. Fiz o tratamento, e ele também mesmo não tendo sintomas, porque é o recomendado. Eu disse a ele que ele era a única pessoa que eu tinha ficado em mais de um mês, dando a entender que ele tinha me transmitido, mas por não termos ainda compromisso fixo, não entramos muito nesta discussão. A segunda foi gonorreia novamente, com uns seis meses de namoro. Dessa vez um alerta começou a acender em mim. Novamente eu estava há mais de um mês transando só com ele. Tivemos uma conversa, e eu fui muito carinhoso e cuidadoso para não culpabilizá-lo, mas eu disse: como podemos nos proteger? Vamos reduzir os parceiros? Mas parece que a gravidade da situação não entrou muito na cabeça dele. E eu continuei aceitando me sujeitar àquilo.
Depois de uma viagem que ele fez pro Rio de Janeiro com a família nas férias, ele me contou no nosso reencontro que tinha ido a um bar de sexo lá e tinha "mamado uns caras" e perguntou se eu não queria usar camisinha com ele, porque poderia ter pegado algo. Uns dois meses depois ele teve hepatite A e um mês depois eu adoeci também. Ele pode ter pegado de outras maneiras, mas o jeito como eu peguei dele foi pela via sexual. Essa hepatite se transmite de forma fecal-oral, então você pega tomando água ou comendo alimentos contaminados ou fazendo sexo oral no ânus.
Pra mim, era mais provável que ele tivesse pegado pela via sexual. Apesar de não ser grave, a hepatite A adoece muito e provoca sintomas horríveis. Tive tanta náusea que passei dias sem me alimentar ou hidratar direito. Perdi quatro quilos em uma semana. Foi um período muito difícil, tanto pelo adoecimento, quanto pela crise que ele desencadeou no relacionamento. Desta vez eu o responsabilizei e ele se sentiu mal, mas reconheceu os excessos e o comportamento de risco. Depois disso, ele entrou pro tantra, foi rever a sua relação com o sexo, e no ano a mais que passamos juntos não tivemos mais adoecimentos assim.
A morte desse rapaz me fez pensar em como ele aceitou um destino, se deixou levar pelo fluxo da doença, pelo correr em direção à morte, sem intervir. E me fez pensar em como, no meu namoro, eu não fiz quase nada para impedir o meu próprio adoecimento causado pelo comportamento do meu parceiro. Tudo em nome da manutenção da relação, para não perdê-la. Foi muito importante perceber este silenciamento agora que a relação chegou ao fim, após correr alguns riscos.
Viver como gay não precisa ser o que esperam de nós: ou mortos, ou lascivos ou silentes. Viver é correr riscos, buscar o que se deseja implica correr algum risco, mas viver para o risco é dançar em direção à morte, é se deixar levar pela correnteza, é aceitar um destino que não precisa ser o nosso. Criar uma maneira sadia de viver, desejar e gozar sendo gay é a revolução que ninguém esperava e é a lição que podemos aprender e perseguir cada um do seu jeitinho.