30.3.12

A dor do prazer signiindo

Ele está cansado, precisando de qualquer coisa que lhe dê um gás. Ele está compensando amizades, ou a falta delas, com trabalho, ou o excesso dele. A festa é só amanhã, hoje ele já levou dois bolos.
- Eu não vou te ligar mais, você sempre esquece e não tá nem aí pra mim.
No fundo no fundo, todo o mundo é sozinho. Ninguém come, dorme, ou vive por ninguém. Ninguém consegue se misturar física ou psicologicamente a ninguém. Toda e qualquer companhia é superficial. Todo contato é raso. Tudo o que sabem sobre você é o que a sua linguagem traduz disso.
- Seu beijo é tão bom.
Como ter prazer nas obrigações? Durante toda a sua vida ele jamais pensou sobre isso, apenas fez. Mas agora ele pensa, e sofre. Seu masoquismo está em pensar que depois da dor vem o alívio, por isso é bom sofrer, porque o alívio é imensamente mais prazeroso. Quanto mais dor, melhor.
- Você quer?
- Quero.
Às vezes ele escapa, de tudo. E só sente. O quê... o quê.... o quê? Sei não. Se soubesse não sentia. E assim vai. Indo pelo meio, indo pelo canto, ou parado, mas ainda parado vai. Porque se não vai, fica. Rá, rá, ele riu porque lembrou de uma piadinha ridícula de um professor. Significa, signivai... O signo sempre significa algo para alguém, ele nunca fica, ele vai... A piada é péssima, mas seu humor está melhorando. Se soubesse não sentia.
- Nosso problema é não conversar.
Depois disso o silêncio.

19.3.12

Volta o cão arrependido

Au-a... Porra. Já ia latir. Às vezes eu lembro que não sou um cão, mas é que minha viralatice está na minha humanidade de tal forma que não faz diferença alguma. Vagueio pela noite uivando. Estou no cio, mesmo que meu cio dure o tempo todo. Cadelas me cercam, invertendo totalmente a ordem dos gêneros. Visitamos canis onde todos os nossos semelhantes estão juntos, mas mesmo assim uivam para a lua, a representação mais clássica da solidão e da melancolia na nossa espécie. Ah, que droga, esqueci de novo que a minha espécie é outra, mas já disse que não importa. Todo mundo tem rabo e todo mundo balança ele do mesmo jeitinho. Hoje conheci um homônimo meu. Xará, né, pra parecer menos pedante, mas já caio em contradição dizendo essa palavra. Na verdade eu já o conhecia, mas hoje eu conheci de novo. É legal quando isso acontece, a gente lembra de coisas que estuda sobre as interações entre pessoas e vê como a teoria acontece na vida mesmo, na maioria das vezes uma vida de cão, mas vá lá. Nem sempre queremos uivar ou latir, às vezes tudo o que a gente mais quer fazer é cheirar o cu do cachorro que tá do lado. Acredite, dá pra conhecer muito melhor desse jeito.
Qualquer dia desses eu enterro um osso.

Conrado Miguel

9.3.12

A paz superficial

Eu não sei o que eu quero, eu não sei o que eu não quero. Eu flutuo no vácuo num estado de subconsciência. Um dos meus problemas sempre foi ser reflexivo demais, pensar demais, absorver demais tudo o que está à minha volta. Meu outro problema é superestimar demais aquilo que eu não conheço e que eu penso que conheço, imaginar como seria sem saber como é. Quando junta tudo, aí fode legal. Eu tenho que estudar pra ter uma profissão, pra ser alguém na vida, que merda de mundo. A pior parte da vida é ter que viver o tempo todo. Tudo o que você é, sua personalidade, o que você pensa e como age é reflexo do acúmulo de experiências que teve ao longo da vida. Eu sempre busquei a paz de espírito, nunca a encontrei. A paz de espírito é aquilo que você sente quando goza? Quando beija quem você ama? Quando tira 10 na prova? São momentos tão fugazes. A paz de espírito deve ser algo que dure mais, um estado contínuo de satisfação, como quando a gente é criança e só não está em paz de espírito quando chora, ou quando fica nervoso no primeiro dia de aula, ou quando cai e machuca. Depois disso, não sei pra todos, mas a coisa se inverte e você só está em paz de espírito quando faz o que gosta. Mas e se eu não sei do que eu gosto? Ontem uma amiga me disse pra resgatar sempre esse espírito de criança, despreocupado, de bem. Mas eu já cresci, já sou mais alto que meu pai e já tenho barba, será que ainda consigo ser criança? Não dá mais pra acordar, fazer um deverzinho, ver desenho, ir pra escola, voltar e brincar na pracinha. Mas que grande velho que eu sou, tenho 19 anos, nem tenho conta pra pagar, gasto o dinheiro que eu ganho com álcool e festas. Altas curtições, altas badalações, mas isso é Malhação demais pra mim. De que adianta a embriaguez se depois vem a ressaca? De que adianta pegar geral se depois você acaba voltando pra casa sozinho? Mas eu preciso de superficialidades. O sofrimento é sempre maior, por isso a humanidade se apega tanto a deuses, porque é difícil crescer e ficar sem pai e mãe, porque nós somos fracos.
A minha vida toda eu quis saber o que era a vida e descobri que ela não é nada. Ninguém pensa na morte no supermercado.

4.3.12

E aí, como anda a vida? :)

asked by suzisan

A vida anda sem dizer pra mim pra onde vai. Tem horas que eu penso que ela tá indo pra um lugar, aí de repente ela toma outro rumo. É difícil pra gente controlar como a vida anda, porque ela depende também de como a vida dos outros anda. Às vezes elas vão andando e se esbarram, e só elas mesmo pra decidirem o que vai ser depois disso. Tem horas que o esbarrão machuca, tem horas que é de leve, tem horas que é como um abraço... Mas o que importa é que a vida anda, e não vamos deixar ela parar.

3.3.12

Uivo vão

E se você é um cão de rua? Se alguém te acha e você não precisa mais dormir no chão, nem em qualquer tapete de "bem-vindo"? Agora você tem uma cama confortável e cheia de calor. Macia onde a dureza é só lembrança. Você late, late fundo, late fora, late. Mas aí depois você descobre que ninguém ouvia o seu latido. Eu latia em vão, cão. Meu nome? Rex, Totó, Chicão, Quico, Marco Antônio. Meu nome era mais vão que meu latido. Eu ainda não sei qual era o mais ignorado. Um cão que achou um dono que só levou ele pra casa porque tinha dó demais, era bom demais, pra deixar ele na rua; e só porque também o cachorro o seguiu até a porta de casa. Sem essa de amor demais. Já vacinei, tá ótimo. Gatos são melhores que eu, eles dizem fodace pra você. Eu, cão, não consigo, eu sou leal até se o desgraçado me maltrata e só faço balançar meu inquieto rabo. Cansado de latir à toa eu volto a uivar. Mas eu reconheço que meu uivo é ainda mais vão que qualquer coisa. A lua não ouve. Já o latido, pelo menos o fazia tapar os ouvidos.

Conrado Miguel
Page copy protected against web site content infringement by Copyscape