29.5.12

Tudo que eu sempre sonhei

Sempre pensei que aconteceria. De criança acreditava nos adultos, que era só pagar pra ver. Feio, meio assim desconfiado, perna em xis já barrigudo, duvidando que eu conseguisse crescer. Mesmo assim, contudo, o tempo foi passando e eu fui adiando, mudo, os grandes dias que ia conhecer. Quem sabe amanhã, próximo ano, Cebolinha com seus planos infalíveis ia me ensinar a ser: forte, corajoso, bom de bola, um dos bonitos da escola, muito embora eu não fizesse questão. Ainda bem que eu sou brasileiro, tão teimoso, esperançoso, orgulhoso de ser pentacampeão. E por fim cresci, de insulto em insulto eu me vi como um adulto, culto, pronto pra o que mesmo? Já nem sei. Olho e não encontro, penso se não fui um tonto de acreditar no conto do vigário que escutei. Não tem carro me esperando, não tem mesa reservada, só uma piada sem  graça de português. Não tem vinho nem champanhe ou taça, só um dedo de cachaça e um troco  magro todo fim de mês. Mas bobagem, quanta amargura, eu já sei que a vida é dura, agora é pura questão de se acostumar. Basta ter coragem e finura e o jogo de cintura aprendido dia a dia, bar em bar. Pra que reclamar se tem conhaque, se na tevê tem um craque e o meu timão só entra pra ganhar? Pra que imitar Chico Buarque, pra que querer ser um mártir se faz parte do momento se entregar? E por fim tem até namorada, bonitinha, educada, séria, tudo o que mamãe vive a pedir. Tem beijinho e também trepada e a consciência pesada a cada nova vontadinha que surgir. De outra mulher, de liberdade, de um amor de verdade, de poder fechar os olhos e sorrir, pensando que então, dali pra frente, seja qual for tua idade, o melhor ainda vai estar por vir. Tudo o que eu sempre sonhei. Tanto que eu consegui. É tão bom estar aqui... Eu sei.

Pullovers

19.5.12

Um, dois, três cãezinhos

Ontem a rua estava cheia de cães. Fui parar num canil outra vez. Mas agora não acompanhado de cadelas, e sim de outros cães como eu. Acompanhado mesmo eu estava só de um, os outros eram daqueles que se agregam já estando em bando e não se agregam de verdade. Companhias mais rasas que as ditas profundas, daí você imagina a distância. Tão perto e tão longe. Vi muitos outros cãezinhos, uns latindo, outros uivando. Eu, você já sabe o que estava fazendo. De praxe. Cheirei o cu de alguns, tentei entrar no meio, com receio da agressividade, tentei disfarçar que não era um vira-lata daquele beco, que estava urinando num território que já tinha dono. Ninguém me mordeu. Quer dizer, morderam sim, mas não foi de agressividade e a história é longa. Longa não, é curta. Um cão chega, cheira seu cu e te morde. Mas não te morde querendo te morder. Você ensina pra ele que morder não é legal, que o dente não é feito pra dar carinho. Que o amor é macio. Ou devia ser. Mas não existe amor na nossa espécie, Canis lupus familiaris. Aqui a gente briga por ossos, a gente briga por fêmeas, a gente briga por tudo.
Voltar a uivar eu não volto, porque me toquei que disso eu nunca deixei. Mas eu ainda procuro qualquer tapete de bem-vindo. Adote.

Conrado Miguel

13.5.12

Eu que aqui estou por mim espero

Pra quem eu escrevo esse e-mail? Pra mim mesmo. Trelelelê. Ultimamente eu tenho querido fazer tudo, mas não tenho podido fazer nada. Reclamo da falta de tempo, mas não é isso que me falta de verdade. Meu blog ficou meio literário nos últimos tempos e se você pensa que por isso ele perdeu o caráter de diário online, engano seu. Nada poderia ser mais sincero do que a subjetividade e o lirismo da arte de domar as palavras através da literatura. Mesmo que seja essa minha literatura fajuta de blog, mas vá lá. É o melhor que tá tendo e que eu posso oferecer.
Meu amigo Conrado Miguel continua pedindo pra postar o tempo todo, e como é difícil pra mim negar qualquer coisa a alguém eu sempre deixo ele escrever. É um cara engraçado, não cansa de me falar de uma tal teoria de que as pessoas são cães, mas quer saber, eu acho ele ácido demais, tenho até dó e fico pensando de onde surgem essas coisas que ele gosta de escrever. Tô aprendendo umas frases de efeito com ele e resolvi usar a intertextualidade nos títulos.
Independentemente de Conrado, eu mesmo fiquei muito mais literário depois que entrei na faculdade de jornalismo, mesmo não tendo mais tempo pra ler literatura (eu sei que não é isso...). Mas não é de se espantar. A formação que eu tenho é tão reflexiva e abstrativa que a técnica fica totalmente subvertida à mera técnica (à merda técnica). É que na academia não cabe repetição de padrões, sendo ela mesma o maior de todos.
Nessa onda eu vou surfando. Vou analisar o jornalismo literário da revista piauí num tal de Projeto A2, vou fazer um projeto de pesquisa sobre o sexo virtual ou cibersexo, e tô descobrindo cada vez mais potencialidades no meu trabalho com o som. Se a onda é uma marola ou tsunami, deixo pra quem tá me vendo surfar dizer, porque eu mesmo só vejo a prancha. Se vejo. Tô cheio de crises em efeito dominó também. Se pá... pum! Não sei se me inscrevo pro intercâmbio, apesar de querer viajar e conhecer qualquer coisa nova, mas não sei se quero sair do meu país pra estudar e ainda mais com a obrigação de elevar o nome da minha instituição de ensino, nem sei pra onde eu quero ir também, muito menos se vou passar então... foda-se. Fico pensando pra que serve isso tudo além de status, mas aí lembro que a vaidade é o centro de tudo, e a espontaneidade não existe, então... foda-se mesmo assim.
Quero aprender a dirigir mas ao mesmo tempo não quero, quero fazer algum esporte mas também não quero. Eu quero tchu, eu quero tcha, mas não quero tchutcha. No fim eu não sei.
Só sei que nada sou. Foi Conrado que me ensinou.

4.5.12

Eu te desamo

Eu já sabia escrever quando comecei. Acho que você também já sabia desenhar quando começou. É lógico que eu tinha um ideal, um ideal que foi mudando ao longo do tempo a partir da descrença. Deixa dessa tolice de admirar demais o desconhecido. O que será que é? Eu tô cansado dessas minhas emoções, e são elas que não estão cansadas de mudar. Eu te desamo porque te amo. Pra desamar tem que amar; o desamor é uma necessidade e o amor, uma vontade. Mas eu ainda penso que posso estar enganado, porque pode ser o contrário. Patinando nessa fina camada de gelo que é a vida, se você para, afunda. Ser profundo mata. Eis-me aqui, senhores. O meu pé quarenta e três não é maior que seu ego, o meu pau de vinte centímetros não preenche sua alma vazia, e quando eu entro no seu fabuloso mundinho eu saio logo depois. De solidão. Meus braços não abraçam seu desprezo, e mesmo se fossem grandes o bastante, sua pele dá choque. E seu cheiro, mesmo sendo bom, me dá asco, porque não sai de mim nem sei de mim. Nem sei se eu afirmaria de novo tudo isso, porque... O desamor é um exercício. E eu vomito. E meus cães me consolam.

Conrado Miguel 
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